Rádio EFTEPRO

domingo, 26 de maio de 2013

HAVIA UMA CORDA NO TORNOZELO DO SACERDOTE AO ENTRAR NO SANTO DOS SANTOS?



É muito comum ouvir em pregações, livros evangélicos, sites da Internet é até mesmo em comentários bíblicos que os sumo sacerdotes tinham uma corta atada ao tornozelo por ocasião de sua entrada no Santo dos Santos no Yom Kippur(Dia do Perdão). O objetivo desse costume seria o de permitir o resgate do corpo do sumo sacerdote caso fosse consumido pela ira divina, mas seria isso verdade?

Todd Bolen, professor de Estudos Bíblicos no Israel Bible Extension do The Master’s College, Santa Clarita, Califórnia, USA, afirma que é isso um mito. Ele destaca que esse costume
“não é encontrado em nenhuma fonte antiga, incluindo a Bíblia hebraica, o Novo Testamento, os Manuscritos do Mar Morto, Flávio Josefo [historiador judeu do primeiro século], os apócrifos, a Mishnah, o Talmude babilônico ou o Talmude de Jerusalém”[1].
A mais antiga referência que o professor Todd Bolen conhece está no Zohar, uma coleção de comentários místicos sobre a Torá surgido no século 13 d.C. A citação seria a seguinte:
“O nó de uma corda de ouro pende de uma perna, talvez por medo que ele morresse no Santo dos Santos, e eles seriam obrigados a retirá-lo com esta corda”.
Ainda que Todd Bolen seja digno de confiança, resolvi consultar outras fontes. Achei isso:
“the Zohahr (a text of Hasidic Judaism) records the tradition that people outside the Holy Place took precautions for removing the high priest's body (by means of a rope attached to his ankle) if the should have an improper thought while performing his duties before the Ark and be killed”[2].
“a Zohar (um texto do judaísmo hassídico) registra a tradição de que as pessoas fora do Lugar Santo tomavam precauções para remover o corpo do Sumo Sacerdote (por meio de uma corda amarrada ao tornozelo), caso morresse após ter um pensamento inadequado durante a execução de suas funções diante da Arca”.
E isso: 
“of a tradition found in the zohar, i.e., a rope  was attached to the high  priest for the purpose of dragging him out off the holy place should he die there”[3].
“uma tradição encontrada no Zohar [afima que] uma corda era atada ao sumo sacerdote, a fim de arrastá-lo para fora do lugar sagrado caso ele morresse por lá.
Estes dois textos confirmam que essa tradição teve início na Zohar. Quem ainda não estiver convencido pode ler o artigo do Rabino Dr. Ari Zivotofsky Z. Ele também contesta a Zohar:
“Embora tenha havido uma real preocupação por parte do Kohen Gadol [Sumo Sacerdote] por sua sobrevivência, não há nenhuma referência a essa prática na Mishná, Talmud e Midrash. O Zohar, no entanto, afirma que uma corrente de ouro era amarrada ao tornozelo do Kohen Gadol, mas outras fontes, tanto haláchicas e agádicas, poderiam questionar esta afirmação”[4].  
Após tudo isso eu acho que não dá mais para continuar insistindo nessa história. Mas a decisão é sua...

Notas:

[2] PRICE, Randall. The Ark of the Covernant. Eugene, Oregon: Harvest House Publishers, 2005, p. 120

[3] Zohar Achrei Mot 67a; Zohar Emor 102a apud MACKIE, Scott D. Eschatology and Exhortation in the Epistle to the Hebrews. Tübingen, Germany: Mohr Siebeck, 2007, p. 203.
[4] Disponível em: <http://www.ou.org/index.php/jewish_action/article/57327/> acesso em 05 de maio de 2010.

Fonte: numinosum teologia

quarta-feira, 22 de maio de 2013

“Seu Nome Será Emanuel”
EMANUEL ou JESUS?

O nome hebraico “Emanuel” pode ser traduzido como “Deus conosco” ou “Deus está conosco.” Algumas pessoas acreditam, baseadas em Isaías 7:14, que porque Jesus seria chamado de “Emanuel”, ele devia ser Deus encarnado. Isaías 7:14 e Mateus 1:23 são lidos com freqüência por volta do Natal. Eles são lidos como se segue:

Isaías 7:14 “Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel.”

Mateus 1:23 “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, o qual será chamado Emanuel, que traduzido é Deus conosco.”

Primeiro, a profecia afirma que seu nome será Emanuel.”

Não diz que “ele será Emanuel.”

Segundo, Maria nunca chamou seu filho de “Emanuel” como requerido pela profecia. De acordo com a Bíblia, ela deu ao seu filho o nome de Jesus, seguindo instruções do anjo de Deus.

Mateus 1:25 “e a manteve virgem enquanto ela não deu à luz um filho; e pôs-lhe o nome de Jesus.”

Lucas 1:30-31 “Disse-lhe então o anjo: Não temas, Maria; pois achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus.”

Terceiro, quando lemos no contexto, o nascimento e o nome da criança Emanuel era para ser um sinal para o rei Acaz de que Deus estava com seu povo que estava prestes a ser invadido por dois reinos rivais (Isaías 7:10-16). A promessa foi cumprida por Deus (2 Reis 16:9). O nome “Deus está conosco,” significa que Deus nos apoiará.[1] O nome faz pleno sentido se o nome da criança era para indicar ao rei Acaz que Deus estava do seu lado.

Isaías 7:10-16 “De novo falou o Senhor com Acaz, dizendo: ‘Pede para ti ao Senhor teu Deus um sinal; pede-o ou em baixo nas profundezas ou em cima nas alturas.’ Acaz, porém, respondeu: ‘Não o pedirei nem porei à prova o Senhor.’ Então disse Isaías: ‘Ouvi agora, ó casa de Davi: Pouco vos é afadigardes os homens, que ainda afadigareis também ao meu Deus? Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel. Manteiga e mel comerá, quando ele souber rejeitar o mal e escolher o bem. Pois antes que o menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem, será desolada a terra dos dois reis perante os quais tu tremes de medo.”

2 Reis 16:9 E o rei da Assíria lhe deu ouvidos e, subindo contra Damasco, tomou-a, levou cativo o povo para Quir, e matou Rezim.

Quarto, Isaías 7:14 em hebraico não diz que uma virgem daria à luz mas que uma jovem mulher conceberia. A palavra hebraica almah, usada em Isaías 7:14 significa mulher jovem ou donzela, não uma virgem. A palavra hebraica para virgem é b’tulah. A Bíblia em inglês, Revised Standard Version, é uma das poucas Bíblias cristãs que usou a tradução ‘jovem mulher’ ao invés de substituí-la pela palavra ‘virgem.’

Isaías 7:14 Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma jovem mulher conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Eman’u-el.

Quinto, quando algo é “chamado” por um certo nome, não significa que a coisa seja literalmente o que é chamada. Nomes simbólicos são usados com freqüência pelos hebreus na Bíblia. Muitos nome causariam grandes problemas se adotados literalmente. Jerusalém é chamada “o Senhor, nossa Virtude,” e Jerusalém obviamente não é Deus (Jer. 33:16). Em Gênesis 32:30 nos é dito que Jacó chamou um pedaço de terra de “Face de Deus.” Abraão chamou a montanha na qual ele estava prestes a sacrificar Ismael de “o Senhor proverá,” e ainda assim ninguém acreditava que a montanha era Deus. De forma semelhante, ninguém acreditava que um altar fosse Deus, mesmo que Moisés o chamasse assim: “Pelo que Moisés edificou um altar, ao qual chamou ‘Jeová-Níssi.’” (Êxodo 17:15). Os cristãos acreditariam que Elias era “Deus Jeová” ou que Bitia, uma filha do Faraó, era a irmã de Jesus porque seu nome significa “filha de Jeová?” Os cristãos acreditam que Dibri, não Jesus, foi a “Promessa de Jeová,” ou que Elias era o Messias real uma vez que seu nome significa “Meu Deus (é meu) pai?” Da mesma forma, eles diriam que Jesus Barrabás, que evitou a crucificação ao ser solto (Mateus 27:15-26)[2], era o filho de Deus porque seu nome significava “Jesus, filho de seu Pai”? Claro que não.

Podemos concluir que a leitura de Jesus como a realização de uma profecia em Isaías é devida apenas a Mateus citar a profecia, ao invés de ser porque as pessoas chamavam Jesus de Emanuel durante sua vida. Além disso, mesmo se seu nome fosse Emanuel, o nome não reflete necessariamente o fato, como pode ser visto por outros nomes ligados a Deus (nas formas hebraicas de El ou Yah) pertencentes a outras pessoas. Fazer a alegação de que Emanuel significa Jesus Deus em carne entre Seu povo é, portanto, meramente um exemplo de como a doutrina trinitária da encarnação foi imposta sobre a mensagem de Jesus por profecias “tendenciosas”.

A verdade é que a profecia de Isaias deve ser vista de dois modos, o da libertação material, carnal dos inimigos daquela época e de um modo espiritual, ou seja, significaria uma libertação espiritual para os dias de Jesus, o EMANUEL como sinal de libertação carnal, JESUS como sinal de libertação espiritual.

Grifo do autor do blog.
Footnotes:
[1] “O nome Emanuel pode significar ‘Deus esteja conosco’ no sentido de ‘Deus nos ajude.’” Interpreter’s dictionary of the Bible (Dicionário do Intérprete da Bíblia, em tradução livre), vol.2, p. 686

[2] Variantes gregas da New Revised Standard Version (Nova Versão Revisada) da Bíblia de Westcott-Hort

Galo ou Som de trombeta?



Reflexões Sobre o "Canto do Galo"

Ao estudarmos a passagem de Lc 22.21-34, nos defrontaremos com a conhecida frase proferida por Jesus no verso 34: "Pedro, não ressoará hoje o galo até que três vezes me negarás conhecer" (minha tradução). Tradicionalmente, esta referência feita ao “canto do galo” sempre foi interpretada ao pé da letra, ou seja, um galo, de fato, cantou no episódio da negação de Pedro. Contudo, como iremos descobrir nas linhas que seguem, tal tradição pode não refletir os fatos exatamente como aconteceram.
Era o galo conhecido no Antigo Testamento? Bem, de acordo com a Vulgata, o termo “gallus” aparece em Is 22.17, Jó 38.36 e Pv 30.31. Em Is 22.17 o termo é a tradução de geber, que a maioria das versões modernas interpreta como “homem”. Jó 38.36 traz o vocábulo sekwi, cujo significado é completamente disputado. E Pv 33.31 traz zarzir, palavra cujo significado é novamente disputado. Já a LXX traz nestes lugares (respectivamente) andra, poikiltiken e alektor. Além disso, a Vulgata de Tobias 8.11 traz circa pullorum cantum, literalmente “sobre o canto das galinhas”, uma parte da noite, “canto do galo”.[1]
Fitzmeyer ainda traz outro interessante comentário sobre este assunto, dizendo:

[...] de acordo com o Baba Qama 7.7 era proibido “criar galinhas em Jerusalém por causa das coisas santas”, e os sacerdotes estavam proibidos de criá-las em todo lugar na terra de Israel. [...] Ainda que o regulamento mishnaico não seja certamente válido antes do ano 70 em Jerusalém, a proibição pode ter tido força naquele tempo.[2]
E o erudito do Novo Testamento, William Barclay, também faz referência a esse canto do galo, acrescentando, aliás, alguns dados inusitados, os quais transcrevemos abaixo:

Pode bem ser que o canto do galo não fosse o canto de uma ave; e desde o começo não pretende significar isso. Acima de tudo, a casa do Sumo Sacerdote estava no centro de Jerusalém. E certamente não haveria um galinheiro no centro da cidade. De fato, havia uma regra na lei judia, segundo a qual era ilegal ter galos e galinhas na cidade santa, porque eles sujavam as coisas santas. Mas o período das três da madrugada foi chamado de canto do galo, e por essa razão. Naquela hora, a guarda romana era trocada no castelo de Antonia, e o sinal da mudança da guarda era um toque de trombeta. O termo latino para aquele toque de trombeta era gallicinium, que significa canto do galo. É possível que assim que Pedro fez sua terceira negativa, a trombeta da muralha do castelo ecoou sobre a adormecida cidade... e Pedro lembrou: e por causa disso ele derramou o seu coração.[3]
Ora, se quisermos entender melhor o porque dessa discussão entre o “canto do galo literal” e “canto do galo simbólico”, devemos nos reportar neste momento ao texto do evangelho de Marcos 13.35-37, o qual diz:

35Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o senhor da casa voltará: à tarde, à meia-noite, ao canto do galo, ou de manhã, 36para que, vindo de repente, não vos encontre dormindo. 37E o que vos digo, digo a todos: vigiai!

Esse texto de Marcos lança uma boa luz sobre a questão em debate. Segundo ele, nós podemos verificar que os romanos dividiam os dias em períodos de três em três horas. E, no que se refere ao período noturno, tais períodos de três horas eram chamados de vigílias. Essas vigílias, por sua vez, demarcavam cada período de três horas, nos quais funcionava cada turno do serviço de guarda. A primeira vigília da noite começava às 18:00h e ia até às 21:00h; a segunda vigília começava às 21:00h e ia até à meia-noite; a terceira vigília começava à meia-noite e ia até às 3:00h da madrugada; e a quarta vigília ia das 3:00h da madrugada até às 6:00h horas da manhã.[4] Acontece, porém, que freqüentemente os judeus se expressavam de forma abreviada quando se referiam a essas vigílias da noite. Assim, quando encontramos no verso 35 a palavra “tarde”, esta era a expressão com a qual se referiam ao fim da primeira vigília, ou seja, 21:00h. “Meia-noite” indicava o fim da segunda vigília. “Canto do galo” era o termo usado por eles para o fim da terceira vigília, ou 3:00h da madrugada. E “de manhã” era o modo como se referiam ao fim da quarta vigília, ou 6:00h da manhã.[5]
Se essa teoria estiver correta, então quando Jesus diz em Marcos 14.30: “esta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás!”, ele estava fazendo menção ao período compreendido entre as 3:00h da madrugada e as 6:00h da manhã. Portanto, este “cantar do galo” não era uma referência à ave que pertence à família dos galináceos, mas sim uma alusão ao toque da trombeta, conhecido em latim como gallicinium. Aliás, a expressão grega fonesei, encontrada em Lc 22.34, que as nossas versões em português traduzem como “cantará” (Cf. ARC, BJ) ou “cante” (Cf. ARA, BLH, NVI), também pode ser traduzida como “ressoará”.[6] Então, se estivermos corretos em nossa interpretação, a tradução que proponho à passagem de Lc 22.34 “não ressoará hoje o galo”, é um latinismo[7] empregado pelo evangelista, o qual, por sua vez, foi extraído de Marcos, o mais antigo dos evangelhos que, em seu vocabulário, empregou vários termos provenientes da linguagem técnica militar.[8] O fato de Marcos ter escrito o seu evangelho muito provavelmente em Roma, de acordo com os testemunhos de Irineu e Clemente de Alexandria[9], explica porque ele estaria fazendo referência ao gallicinium (romano) ou à alektorophonia (equivalente grego) em seus escritos. De qualquer forma, uma pergunta fica no ar: no episódio da tripla negação de Pedro, um galo cantou ou uma trombeta ressoou?
Extraído parcialmente de: Trabalho Exegético Sobre a Passagem de Lc 22.31-34, pp.18-20, 2007. Autor: Carlos Augusto Vailatti.